maio 06 2021, 19:30
Novembro de 2016, a tão sonhada viagem para o Sudeste Asiático estava acontecendo. Tinha me planejado para engravidar lá. Imagina, uma mini alma bem zen lá daquelas terras budistas?! Como se fosse fácil assim marcar o mês pra encomendar o baby…
Eu, gerente de projetos, adoro um planejamento, estava com todos os exames em dia, tomando ácido fólico há 3 meses e preparadíssima. Nos dias férteis, cumprimos o ritual direitinho e… BINGO! Sementinha plantada.
Meu sonho de uma vida toda estava se concretizando.
Gestante plena
Cabelo brilhante
Mãos na barriga 24h por dia e
Claro, monotemática.
Minha agenda passou a ter aulas regulares de yoga pro parto, pilates, caminhadas, boa alimentação, tudo pela pequena que estava a caminho. Mais um sonho despontou: ter parto normal: doula, preparação do períneo, muitas leituras, pesquisa de médicos, mas o mundo confiável do parto humanizado ainda estava longe de mim.
Pensei ter me preparado bem pro parto, mas na hora H descobri que estava com um médico um tanto animado pra viajar no feriado que estava prestes a acontecer, pouco depois da minha DPP (a famosa entre as gestantes: data prevista pro parto).
Resumindo bem, fiz tudo que estava a meu alcance, mas no fim das contas o tão esperado parto normal virou uma cesárea, tive uma complicação séria: atonia uterina, hemorragia, não pude ficar com minha bebê nas primeiras horas e a segunda frustração foi de não ter a famosa Golden hour: hora de ouro da amamentação.
A gestante plena, super ativa e que queria ter parto na água, agora não conseguia levantar pra pegar sua filha que não parava de chorar. Pela perda sanguínea extrema, estava muito fraca e a transfusão sanguínea parecia ainda não ter tido muito efeito.
Minha mãe me deu banho por 5 dias e na minha filha também. Fiquei um caco. A gerente executiva à época, workaholic, independente, que passou a gestação inteira dizendo que não queria ajuda por muito tempo, porque queria cuidar e educar sua filha do seu jeito, parecia que estava mudando de ideia.
Minha mãe, que ficaria alguns dias me ajudando, ficou 40! E quando foi embora eu confesso que tive algumas crises de choro.
Conheci o baby blues, fiquei íntima da exaustão, vi meu peito sangrando nos primeiros dias da amamentação.
E tudo que eu tinha planejado para a licença maternidade eram corridas no parque em dias de sol empurrando minha bebê no carrinho super power com rodas gigantes que comprei pra isso (e que para esse fim só foi usado no máximo umas 2 vezes).
Lembro um dia que a exaustão era tanta e minha irritação com o choro dela era tão grande que segundos depois que eu finalmente consegui fazer a Giu dormir, passou o carro da Pamonha de Piracicaba e ela voltou a chorar, minha vontade era jogar algo bem pesado do 19 andar que eu estava, bem em cima daquele carro… me vi em uma das cenas do filme sensacional do Almodovar “Relatos Selvagens”… sorte que ainda restavam resquícios de sensatez.
Foi neste cenário que comecei a compartilhar sobre Maternidade Real nas minhas redes sociais e fui ganhando força a partir dos relatos, identificação e pedidos de ajuda de tantas outras mulheres. Assim surge o Mãe-Estar, um canal sobre saúde mental e bem-estar materno.
Nesta trajetória fui me aprofundando nos estudos, nas conversas, entrevistei mais de 90 profissionais especialistas na área e entendi que a saúde mental das mães realmente sofre mais que a da população geral e no Brasil esse índice é pior que em muitos outros países.
Cerca de 25% das mulheres aqui sofrem depressão pós-parto. Dependendo da literatura, até 70% podem apresentar baby blues, que é uma espécie de melancolia, tristeza puerperal. A invisibilidade materna é real. A sobrecarga física e emocional é altíssima por ser ainda considerada pela sociedade a principal responsável pelos filhos, pelas tarefas domésticas, pela comida e ainda sendo desprestigiada nos ambientes de trabalho por “produzir menos” e dar mais gastos a empresa.
Fevereiro de 2020. Minha segunda filha, a Pietra, nasceu. Já estava muito mais realista, mais preparada e apesar da pandemia, segundo puerpério foi muito mais leve. Rede de apoio deve ser as 3 palavras mais faladas por mim neste último ano.
Quando retornei ao trabalho, vivi na pele o que estava estampado em todas as manchetes de jornal: a equação filhos + home office + pandemia= – saúde mental.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as mulheres são o grupo mais vulnerável a problemas de saúde mental durante a pandemia da Covid-19.
Moral da história: tive um burnout, fiquei afastada, pouco tempo depois tive um diagnóstico de depressão e decidi que precisava mudar de vida, diminuir o ritmo e principalmente seguir meu coração e minha razão que não se conformavam com o tanto que a mulher sofre nessa sociedade.
Foi ai que cresceu ainda mais a vontade de impactar a vida de tantas mães que já sofriam e tiveram seu sofrimento e sobrecarga ultra potencializados com a pandemia.
Há diversas formas de apoio que podemos oferecer a mãe com o intuito de aliviar um pouco a carga e levar bem-estar e conforto para que ela possa maternar e ser mulher, com prazer e a alegria que merece e nós fazemos isso de forma leve, diminuindo o estigma da saúde mental, acolhendo essas mulheres e facilitando suas vidas, as conectando com profissionais cuidadosamente escolhidos por nós para promover momentos de autocuidado.
Roberta Vieira - 31/03/2023
Que texto incrível! Parabéns pelo trabalho. Sou fonoaudióloga e trabalho com adolescentes em sofrimento psíquico. Sempre penso que muitas das "minhas" adolescentes serão mães. Meu trabalho é, al de olhar para elas, preparar maternagem que um dia virá... e cuidar da constituição linguistica dos bebês que virão. É assim, um trabalho de promoção de saúde. Me identifiquei muito com seu texto e sua trajetória.
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